domingo, 4 de fevereiro de 2018

DE-CEP-CIO-NAR


As palavras foram ditas, eu as ouvi, não posso voltar atrás e descobrir que nunca as ouvi, porque elas estiveram aqui, ecoando pelos meus ouvidos, tanta indignação que me corrói por dentro.
Eu sempre tento ser compreensiva, é preciso ouvir as palavras e as entendê-las pela perspectiva de cada um, afinal, quem somos nós para julgarmos uns aos outros?
Mas há certas palavras que se juntam em frases como se elas tivessem peso o suficiente para se tornar uma frase, são palavras cuspidas, tão cheias de veneno, que, de fato, duvido que quem as profere tenha sequer metade da capacidade para entender que o peso que as investe é invertido e seu veneno jorra pelo inverso.
Aqueles que machucam por palavras machucam a si mesmos em primeiro lugar. Maculam a própria imagem por um pouco de saliva gasta. Um prazer tão venenoso que em um segundo elas já foram meio esquecidas por quem as proferiu. Mas não se deixe enganar, o gosto amargo permanece.
Ah, se o homem soubesse o mal que ele faz! Nem sequer andaria por esta terra com o mesmo rosto.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Dura Lex Sed Lex

O tempo é úmido às oito da manhã, eu sinto frio, e o inverno ainda é brando. O sol é tímido, se entremeia pelas nuvens e lança pequenos raios de sol no cimento.
Não é cheio, há muitas pessoas, claro. Mas não é sufocante. Embora eu sempre ache que estou sendo enforcada. Talvez eu devesse afrouxar o cachecol.
As pessoas são estranhas, algumas das muitas, pelo menos. Há rostos que eu vejo todos os dias, familiares o suficiente para me deixar desconfortável. Precisamos nos encarar?
Meu mundo é o ponteiro do relógio, é o eco de minha vida. Eu o olho constantemente, como se ele pudesse me dizer o que fazer. Na maioria das vezes apenas desejo que ele congele. Congele e eu possa respirar.
A segunda parada é sempre uma incógnita, tem pessoas demais. Opções demais e eu sempre fico com nenhuma, dou liberdade aos meus pés, cansados e esfolados, mas eu aprecio o vento e minha liberdade, que, diga-se de passagem, é azul neste pequeno sopro do que eu chamo de sossego.
O ar ainda é úmido e o tempo ainda é frio. E eu congelo.
O portão, do qual coloração e formato prefiro manter no anonimato, é o meu portal para a outra dimensão. Pondero sobre isso, conto até 1.5, e entro.
O ar não é mais gelado, e o cheiro é sempre o mesmo. Força. Eu preciso respirar. Mas não há mais espaço para isso, nenhuma janela está aberta o suficiente.
Me enterro, literalmente e poeticamente em intermináveis pastas, é um mar de papel pardo e histórias tristes. E eu sou o farol, sou eu quem procura e quem encontra. Não há mais ninguém aqui para isso.
E posso fazer tudo errado em um milésimo de segundo.
A liberdade que experimento junto às calçadas é bem sagaz, sua cor é amarela. É questionável também, como um cão que consegue passear com o dono sem a coleira.
O sol é escasso, às vezes ele brilha, outras vezes não. Eu o vejo de vez em quando.
Elas me dizem coisas, sem nunca parar, uma sobre a outra. E elas entorpecem minha mente e os meus poros. A cor dessa "desliberdade", peço perdão pelo neologismo, é vermelha e se espalha pelo meu pescoço.
Ás vezes eu tenho calor, mesmo no inverno. É de praxe sentir calor quando você está no inferno, mas eu não  estou lá. É muito longe, e eu já andei demais.
Quando a cacofonia da vida noturna universitária me chama, deixo os faróis dos carros me cegarem, eles passam rápido do meu lado, um tiro em minha testa.
E eu queria dizer-lhes que não sou ninguém além de mim mesma, e que, pouco importa quem veio antes e quem virá depois. Se eu faço, faço como sei, e faço por mim mesma.
Eu. Espírito desperto, da cor do vento - que não tem cor - porque não engulo seus pré-conceitos e nem sou um número.
Meu coração é roxo, porque eu gosto da cor, e estou apaixonada pelas pequenas coisas quando não estou correndo de mim mesma. Roxo, quando o sol se põe e as cores se misturam.

domingo, 27 de dezembro de 2015

Fragmento sem título (2)

Em uma festa de casamento:

Que lástima. Fui presa pela mesma armadilha que projetei. Talvez eu queira estar presa. Talvez queira tanto estar presa que seja essa a razão dos nós em meus dedos estarem esbranquiçados. Mantenho-os escondidos por baixo da barra da toalha. Meus amigos estão aqui. É o casamento de um deles, o primeiro a se casar. Estamos felizes, e eu estou tonta.
Ele está sentado de frente para mim, mas seu corpo está virado para o lado conversando com Bill. Acho que estou suando. Ele está com a camisa desalinhada e as bochechas vermelhas de tanto dançar, a gravata está amarrada na testa. Ele é meu amigo. E eu sou sua amiga.
Começa a tocar "Total Eclipse of the heart" a pedido da noiva, nós rimos, o meu é nervoso, tem uma nota aguda, ele me lança um olhar por cima do vaso de flor. Sinto a urgência de sair correndo para qualquer lugar onde não possa ouvir meu coração martelando minhas costelas. Mas Igor aparece, ele ri para mim, desfaz o nó dos meus dedos e me puxa para a pista de dança. Eu hesito, meu olhar busca o rapaz com a gravata na testa. Não posso mais vê-lo, a pista está cheia. Igor tem um sorriso fácil e uma alma serena, ele me rodopia, suas mãos na pele que o vestido de festa deixou de cobrir. Sinto o álcool na sua respiração. O ar do salão é denso, não posso respirar e o mundo me rodeia. Eu peço desculpas e saio em direção à minha liberdade. Estou na recepção, meus saltos martelando o linóleo. Alguém me pega pelos pulsos. Não é Igor. Ele me arrasta para o véu da noite, sua essência se dissipa no ar fresco. Ele se encosta na parede, tira a gravata da cabeça e a observa como se não fizesse ideia de como foi parar ali. Eu sou uma pedra, sou muda e estática. Mas ele tem o sorriso mais bonito do mundo e sua barba arranha meu queixo e suas mãos prendem minhas costas em uma carícia que mal consigo sentir e sua boca tem gosto de cerveja. Meu coração não consegue se segurar, nem minhas mãos que se enterram em seu cabelo e eu juro que posso ter um ataque cardíaco. A gravata ainda está nas mãos dele, sinto a seda deslizar pela minha pele, ele aperta as mãos no meu corpo e eu sinto o tremor do seu coração em meus seios. Um arrepio percorre minha coluna quando ele se afasta, o calor se foi e eu consigo sentir o vento gelado.
Ele me olha.
Eu sou sua amiga, e ele é o meu amigo.


sábado, 13 de dezembro de 2014

O nascer e o morrer de um desespero

Palavras que me fazem falta,
cada sílaba um tilintar mentiroso
Resguarda-me sob a sombra do carvalho,
guarda-me sob a proteção dos que não foram atendidos
abranda-me as pertinências.

A esperança nas costas do mau agouro
Quando o soar dos sinos adentrar sua alma
um arauto de puro desespero
com o pulsante recôndito das almas descrentes
Levanta-me aos céus

Os bolsos vazios não lhe trazem fé
não é por isso que deveria mantê-la?
Arranque a pele dos desesperados,
lave os joelhos feridos daqueles que se ajoelharam por uma vida inteira
Carrega-me ao reino dos júbilos.

Infrinja o suplício
Enerve os medos
Acalante as incertezas
Retenha-me à simples e pura fé.
Retenha-me sob a sombra inexistente de um carvalho.
Mas antes de tudo:

Detenha-me. 

domingo, 20 de julho de 2014

sábado, 22 de março de 2014

Ela própria tratou de salientar, para os ávidos leitores de segunda-feira, o notável fato de que o interesse daquele rapaz arrogante pela literatura havia passado de mera casualidade para uma espécie de querer absoluto.
Ela o observava vagar pelas prateleiras, tímido e reservado, costumava escolher os livros ocasionalmente. Circulava pela sala mais de três vezes, até que se acomodava em umas das mesas com qualquer obra sobre os braços. Na segunda semana, proveu-se de uma curiosidade aguçada e passou a repetir o gesto de sua anfitriã. Deixava seus dedos vagarem pela lombada dos velhos exemplares, parava, retirava o livro da estante e lia com um interesse renovado.
Uma verdadeira mudança para alguém cuja veemência inicial tratava-se apenas de uma brincadeira maldosa com o objetivo de cortejar uma moça aparentemente inalcançável. Sua primeira visita àquele pequeno esconderijo, que nunca dignou-se a prestar devida atenção, havia se transformado em uma pequena desventura, viu-se desarmado diante da personalidade implacável da  jovem bibliotecária e teve seus próprios desejos suprimidos pela ofensa que sua indiferença à literatura provocara.
Apenas suportava o fato de que sua própria existência fora sucumbida pelo prazer inexplicável de viver outras tantas vidas apenas lendo algumas páginas de papel puído.
Nunca pensou que trocaria sua libertina e transviada juventude por horas de quietude e simplicidade. Ali, entre a dominante presença dos livros empoeirados, ele fez para si próprio um refugio.
E ela, mais do que qualquer dama socialmente engajada, sabia o imensurável valor daquela descoberta. 


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Transcendência, Curse Epílogo

O mesmo som angustiante repetia-se arrastado, com suas harmonias melancólicas chocando-se contra as paredes imaginárias de sua mente. Era um silvo baixo retirado a força do lugar escuro que era seu âmago. A verdade notável pairava como fumaça diante de seus olhos. Não era uma palavra longa, mas estava ali, piscando em meio a sua própria névoa cinzenta.
Suspirando ela elevou os olhos para o céu quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair.  O céu tornou-se nebuloso em poucos segundos manchando o azul claro de cinza e ornamentando-o com raios e trovões. Mesmo quando a chuva tornou-se uma tempestade ela não se moveu do centro. Ainda olhava em direção ás nuvens, seu rosto inexpressível tomando diversas expressões quando os raios iluminavam sua face. Constantemente iluminava, constantemente escurecia.
A escuridão chegou logo depois do crepúsculo, trazendo o ar gelado e toda a tristeza de um céu sem estrelas. Ela não lembrava de quando havia caído, ou como,  mas de alguma forma seus braços estendiam-se pelo chão molhado, terra e sangue sujavam seu rosto pálido. Sentindo o gosto do sangue nos lábios ela descobriu que não importava como, mas devia levantar. Ponderando sobre quantas vezes tinha caído levantou-se firmando ambos os pés no solo barrento.
Ela cambaleou pela noite, achou uma sepultura coberta de musgo e lama. As palavras eram inscrições antigas e desgastadas, era um túmulo de velhas verdades que agora somente estavam mortas para ressuscitarem em um futuro próximo.
O vento sussurrou uma prece para a lua, soprando os fios de seu cabelo, fazendo-os parecerem como tentáculos negros na noite escura. Ela fechou os olhos por um momento sentindo a brisa roçar sua pele, num toque que lhe gelou a alma. A alma gelada que carregou de seu pai, a alma quente que recebeu de sua mãe e a realidade carinhosa daquele demônio que a criou como uma filha.
Não soube dizer quanto tempo permaneceu apoiada sob o mármore gélido do túmulo, a água em suas roupas encharcadas era a última lembrança que ela vagamente tinha sobre a tempestade. Levantou-se, pondo-se de pé com uma dificuldade extrema até notar  que exibia hematomas escuros que pareciam brilhar contra sua pele clara. Ela estremeceu, lembrando-se de que caíra mais uma vez. Um fato corriqueiro, a rotina de alguém fadado a parar uma destruição. Mas os ferimentos físicos eram só uma sombra, aqueles que ela carregava por dentro eram a perfeita escuridão.
O sol nascia quando ela percebeu que já não lhe restava mais nada a fazer ali. Tinha perdido, como sempre. Induzida a acreditar que algo bom caminhava entre a realidade. Era questão de ter e não ter, e ela não tinha, nunca teve, então não teria agora. Decidiu ir embora, com o sol nascendo para um novo dia servindo como cenário para a figura de ombros curvados que carregava todos os pedaços do mundo dentro do puro âmbar de seus olhos.